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Reconstrução da educação pública passa por retomada dos investimentos

Especialistas do CEFET-MG falam das perspectivas para educação em 2023.

Foto: CSul.

Impactos da pandemia sobre a aprendizagem, aumento da evasão escolar, saúde mental de grande parte dos estudantes comprometida e cortes e bloqueios orçamentários por parte do Governo Federal. Estes são alguns desafios que Luís Inácio Lula da Silva (PT) vai enfrentar em relação à educação a partir do próximo ano, quando assumir a Presidência do Brasil. Diante desse cenário, especialistas do CEFET-MG delinearam os obstáculos e as perspectivas para a pasta. 

Raphael Freitas, doutor em História Social, acredita ser fundamental a retomada dos investimentos em educação pública, gratuita e de qualidade. “Para isso, é preciso que o novo ministro volte a tratar a educação como investimento público, e não como gasto, como vem sendo feito nos últimos anos”, argumenta. Ideia compartilhada pelo professor do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia (DCSF) Bráulio Chaves. Para ele, a crise apenas será estancada com um projeto nacional de compromisso com a educação pública de qualidade, que inclua uma política consistente de investimentos nos vários níveis de ensino, além da abertura de uma ampla discussão com os diversos setores envolvidos com a educação. 

Bráulio entende que o exemplo mais contundente desse projeto de fragilização da educação é a Reforma do Ensino Médio ou, como ele diz, “contrarreforma”. “Com o pretexto de uma fantasiosa modernização, de uma suposta autonomia precoce de adolescentes para definir percursos formativos e da implementação de uma flexibilização curricular, enfraquece o ensino, retirando as poucas possibilidades da população pobre de acesso à educação de qualidade”, destaca. Para o professor Raphael, essa questão também é um dos grandes desafios para garantir o protagonismo do Ministério. “Lidar com essa pressão atual de mercantilização da educação, no contexto da reforma do Novo Ensino Médio, será um grande desafio que virá pela frente. Afinal, o Brasil tem alguns dos maiores conglomerados de educação do planeta”, destaca. 

O futuro ministro da Educação, para o professor Bráulio, encontrará um cenário muito complicado, de desmonte, do ensino básico à pós-graduação. “São diversos programas descontinuados, problemas de subfinanciamento, ausência de organicidade em torno das ações e diretrizes nacionais. Eu não tenho dúvida que não é algo aleatório, casual. Tais fatos fazem parte de um projeto”, explica. Para ele, esse outro projeto é coeso na sua forma de atuação. “Por mais contraditório que pareça, ele se pauta na desordem, no depauperamento e no esvaziamento de uma educação de qualidade. Como consequência, aumenta o fosso da desigualdade, despolitiza pela via da inanição de investimentos, fazendo das iniciativas em torno de uma educação crítica e de excelência um objeto a ser perseguido, detratado e negado”, completa.

Hora de “esperançar”

A professora Maria Adélia da Costa, doutora em Educação, cita a frase do antropólogo, historiador, sociólogo, escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro dita nos anos 90 para explicar o momento da educação brasileira: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto”. “Historicamente, a educação pública brasileira viveu à margem de um projeto político e socioeducacional de centralidade. O sucateamento das escolas públicas e a precariedade do trabalho docente sempre estiverem nas pautas de luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade. Entretanto, o que vivenciamos nos últimos quatro anos foi o desmonte das universidades e centros de pesquisas, e a barbárie do enfraquecimento político-social das instituições de ensino, sobretudo das escolas de educação básica”, ressalta. 

Para o professor Raphael, será necessário “desaparelhar o Ministério de pessoas sem vínculos com a educação de qualidade, dando autonomia para os funcionários de carreira, que representaram uma verdadeira trincheira de resistência nesses últimos anos”. Junto a isso, Bráulio acredita que deva ser estimulada a ampliação da participação popular e a articulação com os diversos campos científicos e suas associações, “muitos deles que resistiram nesses últimos anos aos ataques mantendo grupos de trabalho e fóruns de discussão sobre a relação entre a produção científica e tecnológica e a educação”. 

De acordo com a professora Maria Adélia, é preciso incentivar pesquisas para compreender melhor o cenário que se desenha pós-pandemia agregado a um governo que sucateou a educação e investir no tripé ensino, pesquisa e extensão. “É preciso um macroprojeto político para que as ações possam ser direcionadas ao público e locais mais precarizados. Os atrasos não são apenas de ordem pedagógica, mas englobam investimentos em programas de expansão das universidades e escolas de educação básica, vagas para concurso de docentes e técnicos administrativos, investimento em espaço físico, compra de equipamentos modernos para laboratórios, formação continuada de professores e gestores etc.”, afirma. “Parafraseando nosso eterno Paulo Freire, o maior desafio do MEC é fazer os profissionais da educação ‘esperançar’ novamente”

Pós-Graduação: verba e estabilidade

 Em 1º de dezembro, o Ministério da Economia realizou novo bloqueio orçamentário (o quarto só em 2022), que atingiu diretamente as universidades, CEFETs e institutos federais. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) estima que, apenas nas universidades federais, foram R$ 344 milhões em recursos bloqueados. Os impactos começaram a ser sentidos em diversas áreas, como no pagamento de serviços terceirizados e na assistência estudantil. Para os pós-graduandos, situação também dramática: a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) anunciou, inicialmente, que não conseguiria pagar seus mais de 200 mil bolsistas. Ainda que parte dos valores tenha sido restituída, o cenário é de incerteza. Segundo o diretor de Pesquisa e Pós-Graduação do CEFET-MG, professor Conrado Rodrigues, a situação recente é complexa, porque não envolve apenas a escassez de recursos. “A gente sofre e tem sofrido nos últimos anos com uma carência enorme de planejamento”, afirma. “Não temos uma diretriz nacional a respeito da pesquisa”. Essa falta de planejamento dificulta os esforços das instituições e pesquisadores, que necessitam, de acordo com Conrado, de estabilidade. “A pesquisa é um esforço de médio e longo prazo. Se você tem interrupções nos programas e no financiamento, você inviabiliza estas ações”, explica. No CEFET-MG, os cortes na educação vêm sendo sentidos desde 2015. “Já tivemos momentos entre 2015 e 2016 em que as bolsas da Capes foram recolhidas do sistema, então não podíamos destinar cotas de bolsas de mestrado e doutorado para alunos que já estavam matriculados”, detalha. “Em 2018, tivemos o recolhimento das bolsas de pós-doutorado, o que traz um impacto tremendo na fixação de recém-doutores nas nossas instituições”. Além disso, a menor oferta de editais por agências de fomento restringiu o potencial dos pesquisadores da Instituição.

Para 2023, Conrado Rodrigues elenca alguns dos desafios a serem enfrentados, com destaque para a recomposição do orçamento. Ele lembra que já há uma luta para isso no Congresso Nacional, encabeçada por associações científicas, como a Academia Brasileira de Ciências (ABC), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e o Fórum Nacional de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação (Forprop). Além do orçamento das universidades, Conrado aponta para a estabilidade das agências federais de fomento, como a Capes, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). “O que a gente precisa para essas grandes agências é uma perspectiva de estabilidade: ter mais recursos e ter mais segurança quanto ao uso deles ao longo do ano, para que elas possam lançar editais já bem coordenados, com uma ideia de plano nacional”, afirma. “O que é relevante no primeiro ano de governo, quais as ações prioritárias para a pesquisa? E a partir deles, quais seriam os editais para o final do primeiro ano, para o segundo ano de governo?”. 

Outro ponto essencial, segundo Conrado, é aprimorar o contato entre os pesquisadores e a sociedade, para que a pesquisa possa ajudar na resolução das demandas do país. “Para isso, precisa ser feito um grande esforço de desburocratização e de comunicação científica dentro do ecossistema de inovação”, opina.

Por fim, o diretor lembra que a pesquisa e a pós-graduação são responsáveis por formar os recursos humanos mais capacitados do país e o aumento no número de mestres e doutores é essencial para o crescimento do Brasil. “A capacitação em nível superior é essencial para que o país consiga propor modos mais interessantes de se desenvolver. Caso contrário, vamos estar fadados a ser uma nação incompleta do ponto de vista do nosso potencial”, conclui.

Fonte: CEFET-MG.