EUA aprova venda de carne sintética; pesquisadora do CEFET-MG explica

Conhecido como carne cultivada, ou carne de laboratório, item foi regulamentado para comercialização pela Federal Drug Administration (FDA) em novembro.

Foto: CSul.

Federal Drug Administration, (FDA), órgão governamental dos Estados Unidos que faz o controle dos alimentos e medicamentos, aprovou, em 17 de novembro, a comercialização de carne criada em laboratório. A professora Aline Bruna da Silva, do Departamento de Engenharia de Materiais (Demat), é responsável pela condução de pesquisas com carne cultivada, também conhecida como carne de laboratório, e uma das pioneiras do estudo no Brasil. “A carne cultivada é uma carne para consumo humano, produzida a partir do cultivo de células animais em laboratório. Essa é uma nova frente tecnológica que utiliza técnicas de reprodução da engenharia de tecidos, combinando materiais e células, para obtenção de carne idêntica à carne convencional. Ou seja, é simplesmente carne”, detalha.

60% das novas doenças infecciosas se originaram em animais (ONU). O setor agropecuário é responsável por 14,5% das emissões de gases do efeito estufa globais oriundas de atividades humanas (FAO/ONU). Em 2019, 10 municípios com maior área desmatada na Amazônia Legal concentram a maior população de bovinos do Brasil, juntos, esses municípios foram responsáveis por quase 30% da área desmatada na região (uma área equivalente a uma cidade e meia de São Paulo) e por 22,5% das queimadas (Mercy for Animals).

Estes são apenas alguns dos diversos problemas relacionados à criação de animais para alimentação humana, uma das principais causas dos problemas ambientais mais urgentes no mundo, que incluem aquecimento global, degradação de terras, poluição do ar e da água e perda de biodiversidade, de acordo com cientistas da ONU. Além disso, com o crescimento global da população, esse sistema de produção de alimentos será insustentável: até 2050, com aproximadamente 10 bilhões de habitantes no planeta, será impossível alimentar tanta gente. Por isso, “o desenvolvimento de novas tecnologias do setor é uma questão de sobrevivência”, revela a professora Aline Bruna da Silva.

Basicamente, a produção de carne cultivada envolve a extração de células de um animal, como células-tronco, em uma biópsia. A seguir, esse material é expandido em um biorreator com nutrientes adequados (meio de cultura) para proliferação e diferenciação das células. A carne, então, é colhida. “O produto resultante dessa tecnologia é uma carne real, mas sem a necessidade de sacrifício de animais, obtida em ambiente limpo, livre de doenças e sem uso de antibióticos durante sua produção”, pontua a pesquisadora.

Ecossistema e saúde agradecem

A tecnologia garante a alimentação humana sem a necessidade da criação de animais para obtenção de carne, trazendo benefícios para a saúde e para o meio ambiente. “Estima-se que com a produção de carne cultivada o consumo de energia pode ser reduzido em até 50%, a emissões de gases de efeito estufa entre 75 e 90%, o consumo de água entre 80 e 95% e o uso de terra em até 99%”, detalha Aline.

O tempo de produção da carne cultivada é outra variável que chama a atenção: uma tonelada do produto levará cerca de duas semanas para ser produzida. A criação de um boi pronto para abate leva, em média, dois anos.

Na nutrição, as carnes cultivadas são consideradas fontes alternativas de proteína animal, que podem trazer benefícios para a saúde humana. “Os níveis de gordura e colesterol nas carnes cultivadas podem ser controlados, levando a resultados potencialmente positivos para a saúde, uma vez que valores elevados de colesterol no sangue podem levar ao desenvolvimento de doenças crônicas não-transmissíveis, como as doenças cardiovasculares. Devido às características inerentes da sua produção, estas carnes também podem ser fortificadas com vitaminas e minerais e, dessa forma, se enquadrar como um alimento de relevante valor nutricional”, explica a nutricionista do CEFET-MG em Varginha, Andreza Campos.

Para o presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), entidade que busca promover a alimentação à base de vegetais em prol da saúde individual e coletiva e reduzir impactos ambientais e exploração animal, a carne cultivada pode ser uma “opção interessante”, com contribuições para o meio ambiente e para a vida dos animais. “Vemos como um desenvolvimento, uma novidade que pode, sim, atingir um grupo numeroso de pessoas que, até então, não abre mão de comer carne e é relutante quanto às grandes possiblidades disponíveis na alimentação à base de vegetais”, pontua Ricardo Laurino.

Por outro lado …

Nenhuma empresa de carne cultivada atingiu produção comercial em termos de escala ou custo no mundo, apesar dos avanços nos últimos anos. O primeiro hambúrguer totalmente cultivado em laboratório foi fruto de pesquisas lideradas pelo professor Mark Post, Biólogo da Universidade de Maastricht (Holanda) e custou U$ 330mil. Hoje, o mesmo hambúrguer já pode ser produzido por U$ 10. As dificuldades passam por desafios técnicos e científicos para alavancar a tecnologia, que vão desde o desenvolvimento da linhagem celular ao projeto do biorreator, além da formação de profissionais qualificados para atuar na área, aponta a professora Aline.

Além do custo do produto, é preciso considerar um fator determinante para que ele chegue à mesa dos brasileiros: o consumidor, avalia a nutricionista Andreza. “É importante que este tipo de produto possa replicar as experiências sensoriais (visão e paladar) trazidas pelo consumo de carne. Passar pela aprovação dos consumidores, incluindo vencer a resistência por ser um produto ‘de laboratório’, enquanto há forte preferência por alimentos naturais, deve ser o desafio mais decisivo”, completa.

Regulamentação

No Brasil, grandes empresas, como a BRF e a JBS, declararam recentemente que estão investindo nessa tecnologia e pretendem comercializar carne cultivada no país a partir de 2024. Essas notícias mobilizaram o The Good Food Institute (GFI), instituição sem fins lucrativas que busca promover e financiar soluções inovadoras para resolver o problema da alimentação no mundo. A entidade organizou um workshop em 2021 para reguladores brasileiros, com foco nas equipes do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (DIPOA/MAPA) e da Gerência Geral de Alimentos da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (GGALI/Anvisa).

Esse foi o primeiro grande movimento para regulamentação da carne cultivada no Brasil, mas os desafios ainda são grandes, afinal o produto é novo e os protocolos precisarão ser traçados. “A regulamentação convencional da carne não servirá para essa nova realidade e já existem iniciativas para definir regulação e controle, porém trabalhando na incerteza, afinal, não há processos bem definidos. Mesmo questões tão simples, como a deterioração e proliferação de microrganismos patogênicos na carne cultivada, precisam ser pesquisadas para que seja possível definir as bases da regulamentação”, complementa a nutricionista Andreza.

Fonte: CEFET-MG.

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