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Curso Pró-técnico: o poder de uma oportunidade

Pesquisa sobre o curso destaca que estudo pode ser única alternativa para estabilidade na vida de meninas de classe social baixa.

Foto: CSul.

“Se eu me sinto pressionada? Muito, muito, exausta, sugada. Nossa! Nossa! Muito, muito, muito! Às vezes, parece que eu vou falar assim: meu Deus, hoje é o último dia, eu não vou aguentar fazer mais nada, amanhã eu não vou
levantar da cama. Só que aí eu falo: ‘vamo sim, vamo levantar da cama, vamo que preciso disso’. Tem que ter a fé, né? Pra ter aquela força. ”

Esse relato, de uma jovem estudante* do curso técnico em Eletrônica do CEFET-MG, que sonha ser professora, revela desafios enfrentados por mulheres que atravessam diversas barreiras em busca de qualificação: rotinas de estudo exaustivas, divisão do tempo com triplas ou múltiplas jornadas (estudo, trabalhos domésticos, atividades sociais) e discriminação de gênero nos ambientes acadêmicos e no mundo do trabalho.

Ela, inclusive, é uma das entrevistadas na pesquisa “Projetos de vida e aspirações profissionais de jovens egressas do curso Pró-Técnico do CEFET-MG”, desenvolvida por Glória Cristina Gomes no Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica (PPGET/CEFET-MG). A pesquisa foi conduzida de forma remota, devido às restrições impostas pela pandemia de covid-19. Oito participantes compõem o estudo, realizado por meio de rodas de conversa e entrevistas.

Oportunidades em curso

O Pró-Técnico é um curso presencial que prepara os alunos para concorrer a uma das vagas destinadas aos cursos técnicos integrados de nível médio, ofertados pelo próprio CEFET-MG, pelo Colégio Técnico da Universidade Federal de Minas Gerais (Coltec) e pelo Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG).

O curso preparatório foi implementado em 1979 no CEFET-MG, originado do Programa Especial de Bolsas de Estudo (PEBE), instituído em 1977. Criado por meio de parceria entre os Ministérios do Trabalho e da Educação, o projeto representava para a classe trabalhadora sem formação profissional uma oportunidade de acesso à escola, conclusão de cursos técnicos e de ascensão profissional e social. Em 1988, o PEBE foi extinto, entretanto, o CEFET-MG manteve o curso em funcionamento.

“A importância do Curso Pró-Técnico na vida de jovens estudantes de classes baixas vai muito mais além de oferecer uma complementação e revisão dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental. Contribui para a formação humana, socialização com outros grupos juvenis e para o reconhecimento destes como sujeitos de direito perante à sociedade”, destaca a pesquisadora.

Pressões financeiras e de gênero

“[…] Vim de família pobre é algo assim bem difícil, porque, pelo menos na minha família, sempre sofri muita pressão com isso. Tipo assim, não uma pressão tipo: ‘você vai ter que fazer isso’. Uma pressão boa, no sentido de, tipo assim, queremos que você tenha uma vida melhor que a nossa.” O depoimento é de uma estudante egressa do Pró-Técnico que agora cursa Química no Coltec (UFMG) e deseja fazer Arquitetura ou Química Orgânica.

A percepção da estudante foi unânime entre todas as oito participantes da pesquisa, que enxergam o estudo como a base para melhores condições de vida e de oportunidades melhores no mercado de trabalho. Como elas vêm de família com poucas condições de arcar com as despesas de um cursinho preparatório (mensalidade, transporte, alimentação), o Pró-Técnico cumpriu um importante papel nas histórias de vida delas.

Outra barreira a ser superada pelas jovens é a de gênero, especialmente entre aquelas que estudam em áreas tipicamente masculinas. “No meu curso, eu faço Eletroeletrônica, muito difícil, porque é um curso masculino, porque realmente é. Minha sala também tem 35 alunos e eu acho seis ou sete são mulheres e, realmente, tem muito preconceito ainda, nós temos que vencer, sabe? ”, relata na pesquisa uma ex-aluna do Pró-Técnico que, atualmente, cursa Eletroeletrônica no IFMG, em Ribeirão das Neves e almeja um curso superior.

Somam-se a esses fatores rotinas exaustivas e cargas horárias de estudos extensas, além de atividades domésticas que, na maioria das narrativas, são de responsabilidade das mulheres da casa, compartilhadas com a mãe ou irmã.

Apesar das dificuldades, as estudantes acreditam que o curso preparatório do CEFET-MG permitiu novos olhares sobre elas e sobre a realidade. “O mundo se mostrou muito maior pra mim, sabe? A minha perspectiva do que que era as coisas aumentou […]”.  “O Pró, ele me deu uma noção de independência muito grande que eu não tinha tido ainda […]. Eu ganhei muita independência e confiança em mim, sabe? Tipo, saber que eu conseguia fazer bem mais do que eu tava acostumada a fazer nas outras escolas”, revelam, respectivamente, as estudantes de Eletrônica, que abriu nosso texto, e Equipamentos Biomédicos do CEFET-MG, que pretende estagiar na rede pública.

A autora do estudo, que atua desde 2014 na Secretaria de Justiça e Segurança Pública, acredita no potencial de pesquisas com esse recorte para transformações sociais. “A formulação de políticas públicas e debates sobre reconhecimento de direitos e de enfrentamento à desqualificação, subordinação e opressão do trabalho da mulher são ações importantes para sua inclusão social. Algumas mudanças no mundo do trabalho para a inclusão de mulheres, sobretudo jovens, perpassam também acerca da identificação destas como sujeito de direitos, combate às formas de discriminação e maior a oportunidade de trabalho, e incentivo aos estudos e à qualificação profissional”, finaliza Glória Cristina Gomes.

*A identidade das participantes do estudo será preservada, em atendimento às diretrizes do Comitê de Ética em Pesquisa do CEFET-MG.

Fonte: CEFET-MG.